Em meio aos debates fundamentais que serão realizados durante a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP26), a transição energética justa é tema indispensável para o futuro do planeta. Em artigo publicado pelo Poder 360, o coordenador da FUP, Deyvid Bacelar, explica: “Se é inegável que precisamos alterar nossas formas de produzir e consumir energia para salvar nosso futuro, é também inegável que essa transformação não será bem-sucedida se não lembrar que, por trás dos números, há pessoas –é disso que se trata a transição justa. E quando falamos de pessoas, falamos de gente que hoje desenvolve trabalhos que poderão perder importância com o tempo, mas que precisa ser incorporada ao novo mundo do trabalho”.
Leia a íntegra:
Por Deyvid Bacelar, coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros/FUP
Discussões sobre o combate às mudanças climáticas vêm crescendo nos últimos anos e é cada vez mais evidente que precisamos acelerar a transição energética como caminho para a economia de baixo carbono. A substituição de combustíveis fósseis por energias limpas e renováveis, o aumento de eficiência energética e o desenvolvimento de tecnologias que removam emissões da atmosfera têm se tornado ações indispensáveis e estarão no centro do debate mundial nos próximos dias, ao longo da COP26, que se realiza em Glasgow, na Escócia.
A implantação de energia renovável é indispensável para a busca dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Contudo, a transição energética é um processo complexo. É essencial que essa transição seja sustentada pela criação de trabalho adequado, com mais e melhores empregos, a fim de garantir uma “transição justa” para todos. Um progresso que não é justo ou inclusivo não é sustentável.
O termo “transição justa” é mencionado no Acordo de Paris, de 2015, como um reconhecimento de que os governos precisam levar em consideração os imperativos de uma força de trabalho em transição durante a mudança para uma economia verde.
A força de trabalho do futuro encontrará muitos desafios, que exigirão iniciativas conjuntas para a capacitação de mão de obra, treinamento, absorção de tecnologias, além da implementação de políticas públicas de apoio à educação e ao desenvolvimento de habilidades.
Sabemos que no Brasil esta discussão está ameaçada com o atual governo, que nega as mudanças climáticas e os direitos dos trabalhadores. Mas estes precisam se preparar para desafios tão urgentes.
Algumas iniciativas vêm sendo feitas no âmbito da cooperação: a Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA, em inglês) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) firmaram recentemente acordo para promover empregos decentes para mulheres e homens em uma transição energética que não deixe ninguém para trás.
Mas é também crucial que as empresas incorporem incessantemente em suas culturas organizacionais aspectos ambientais, sociais e de governança –reunidos na sigla “ESG”.
Ainda pouco tem se falado sobre o que essa necessária transformação na geração e no consumo de energia e no modo de ação e de produção das corporações irá causar no mundo do trabalho. O conceito de transição justa –que, de forma simplificada, visa a garantir que ninguém fique para trás nessa “revolução verde”, incluindo trabalhadores e trabalhadoras– ainda é mais uma utopia do que uma realidade.
Uma importante prova desse paradoxo está no setor de petróleo e gás natural, que certamente será um dos mais impactados com a transição energética e também produtiva. É o que mostra um estudo feito pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) para a IndustriAll, federação sindical global que representa cerca de 50 milhões de trabalhadores de diferentes setores em mais de 140 países.
O levantamento aponta que são ainda raras as iniciativas das companhias de petróleo para preparar seus trabalhadores para as mudanças, seja por meio de qualificação para as transformações no trabalho, seja na incorporação de um discurso de sustentabilidade que vá além do ambiente profissional.
Não há dúvidas sobre o imenso impacto nas formas de trabalho e nas carreiras profissionais que as revoluções verde e digital já estão trazendo. Entretanto, quando as companhias –incluindo as de óleo e gás– anunciam planos para acelerar sua descarbonização energética e produtiva, pouco se vê o que planejam fazer para que as pessoas que hoje atuam em segmentos produtivos ambientalmente impactantes sejam incorporadas às novas e futuras formas de produção.
Em geral, o que se observa são cortes de postos de trabalho, com eventuais contratações de especialistas nas áreas “verdes”, mas nunca em número equivalente. Ou seja, em vez de terem na transição energética e produtiva uma oportunidade de requalificação profissional e de incorporação de conceitos de sustentabilidade além de suas atividades profissionais, o que se apresenta é o receio, por parte dos trabalhadores, de que esse processo seja uma ameaça à garantia de sua sobrevivência.
Quando olhamos apenas para o Brasil, em particular para a Petrobras, a preocupação é ainda maior. Na contramão de diversas outras grandes petroleiras no mundo, a estatal está abandonando todos os seus projetos de investimentos em fontes renováveis de energia, vendendo usinas eólicas e sua produtora de biodiesel. Um balde de água fria tanto no processo de limpeza da matriz energética do país como na formação de profissionais em áreas “verdes”, bem como na requalificação de seus atuais trabalhadores.
Se é inegável que precisamos alterar nossas formas de produzir e consumir energia para salvar nosso futuro, é também inegável que essa transformação não será bem-sucedida se não lembrar que, por trás dos números, há pessoas –é disso que se trata a transição justa. E quando falamos de pessoas, falamos de gente que hoje desenvolve trabalhos que poderão perder importância com o tempo, mas que precisa ser incorporada ao novo mundo do trabalho.
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