Os trabalhadores e trabalhadoras do país correm o risco perder ainda mais direitos com a possibilidade do governo de Jair Bolsonaro (PL) fazer uma nova reforma Trabalhista, se já não bastasse a de 2017 que retirou mais de 100 direitos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promovida por Michel Temer (MDB-SP), com a promessa de criar 6 milhões de empregos.
“Nunca falta ideia para lascar o trabalhador no Brasil. É uma fartura de capatazes com chicotes e relhos à espera dos lombos do exército de reserva”, afirma o escritor Xico Sá em sua coluna do jornal El País sobre a nova reforma trabalhista que leva o título: O trabalhador brasileiro como suco e bagaço da laranja mecânica.
As 262 páginas do documento entregue pelo Grupo de Altos Estudos do Trabalho ao Conselho Nacional do Trabalho, no final de novembro, trazem pelo menos 330 alterações em dispositivos legais, a inclusão de 110 regras, alteração de 180 e revogação 40, mas não há uma única linha, artigo ou sequer uma vírgula que proteja o trabalhador. No grupo liderado pelo ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, ex-presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), constam as mudanças mais profundas.
Uma das propostas polêmicas é transformar o domingo em dia útil. De acordo com a proposta o trabalhador poderá ter direito a folgar nesse dia apenas uma vez a cada dois meses, alterando o artigo 67 da CLT que diz que “não há vedação ao trabalho em domingos, desde que ao menos uma folga a cada 7 (sete) semanas do empregado recaia nesse dia”.
A justificativa pela mudança é de que esse dispositivo visa aumentar a empregabilidade, pois hoje para as empresas colocarem seus trabalhadores em escalas de domingos e feriados é necessário estar na lista de atividades autorizadas pela Secretaria Especial do Trabalho ou possuir autorização de entidade sindical, ou é necessário um acordo coletivo.
“A ideia agora é desconsolidar, se é que este verbo é possível, os restos mortais da CLT. Não vai sobrar nem o bagaço do homem que virou suco. O mote principal é tornar o domingo um dia qualquer da semana, desprotegido de tudo ou hora extra. O domingo quase como uma nova segunda.”, comenta Xico.
Quatro anos depois da reforma de Temer, o resultado é mais de 13 milhões de brasileiros desempregados, 73,2 milhões de trabalhadores sem direitos: 37 milhões são informais, 25,4 milhões trabalham por conta própria e 10,8 milhões trabalhando sem carteira assinada.
O documento apresentado pelo GAET é a legalização a escravidão digital. Não tem nada de bom neste pacote. São 300 itens de maldades. Só dá segurança às empresas operarem, sem nenhuma segurança jurídica ao trabalhador.
1 – Libera o trabalho aos domingos
Como é hoje: A Constituição diz que o descanso semanal é preferencialmente aos domingos, o que sempre a legislação brasileira levou em consideração. Há setores como comércio, saúde e transporte e atividades consideradas essenciais, entre outros, que já tem regulamentado o trabalho aos domingos, mas o trabalhador tem direito ao descanso neste dia a cada três semanas (uma vez por mês, ao menos) e para as mulheres a cada duas semana, como no caso do comércio ou dependendo da atividade. É uma escala para que seja respeitado o direito do trabalhador a passar um domingo em família.
Como ficaria: A proposta do GAET libera o trabalho aos domingos para todas as atividades, sem necessidade de autorização ou de negociação coletiva, com escalas muito mais flexíveis sem garantia de que ao menos uma vez ao mês haveria coincidência de descanso aos domingos.
“A nova regra inverteria o conceito de que o trabalho aos domingos é excepcional para é sempre possível”, diz Eymard.
2 – Proíbe trabalhador de aplicativo de ser CLT
Uma das maldades contidas na proposta é que literalmente proíbe motoristas, entregadores e outros profissionais que trabalham por aplicativo de ter os mesmos direitos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com isso, o trabalhador ficaria sem direito ao 13º, férias, descanso remunerado, FGTS e outros benefícios.
Como é hoje: Atualmente a Justiça do Trabalho tem dado ganho de causa em muitas ações de motoristas e entregadores que pedem vínculo empregatício com empresas de plataformas digitais como Uber, Ifood, etc.
Como ficaria: A proibição do trabalhador de ter direitos garantidos pela CLT pode ser estendida para além de motoristas e entregadores a qualquer profissional que atue em empresa de plataforma.
“ Hoje existem também aplicativos para jornalistas, arquitetos, advogados e outras profissões. Qualquer um pode se encaixar nesse critério. Aqui é o inverso do que outros países como Espanha e Inglaterra, que têm reconhecido esse trabalhador como assalariado”, ressalta o advogado.
Segundo ele, numa canetada o governo pode colocar todo mundo fora das garantias que também impactam não apenas o trabalhador, mas todo o sistema da Previdência e o FGTS usado para investir em moradia e saneamento básico.
“Quanto mais você joga pessoas para fora da relação de emprego, menos você tem contribuição das empresas para esses fundos sociais. Essa regra pega quem é assalariado e quem já não tem direitos”, diz Eymard.
3 – Dívidas trabalhistas
Como é hoje: Sócios de empresas que não pagam direitos trabalhistas e perdem ações na Justiça podem ter seus bens bloqueados até a quitação da dívida. A Constituição reconhece que o crédito do empregado é de natureza salarial.
Como ficaria: A proposta de reforma isenta ou dificulta a responsabilidade do sócio, cabendo ao trabalhador demonstrar que houve fraude, o que é difícil comprovar. Neste caso, a proposta dificulta o acesso aos bens de qualquer sócio da empresa, inclusive o majoritário;
“O que vai acontecer ao longo do tempo é o aumento de calotes de crédito trabalhista. Determinadas faixas de empresas, sobretudo nas terceirizadas, que quando terminam seus contratos simplesmente não pagam suas dívidas junto ao trabalhador”, explica Eymard.
4 – Covid-19 deixa de ser doença do trabalho
Como é hoje: O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a proposta do governo de não considerar a covid-19 como doença do trabalho.
Como ficaria: A proposta volta à tona com a desculpa de que muita empresa está sendo demandada na justiça, com criação de passível trabalhista.
“ Isto significa mais dificuldade do trabalhador receber seus benefícios , principalmente os que tiveram sequelas mais longas ao contrair a doença”, diz Eymard.
5 – Legaliza o locaute
Locaute é a possibilidade de uma empresa parar sua atividade para conseguir atingir suas reivindicações. Um exemplo foi a “greve dos caminhoneiros” , em maio de 2018, o que para muitos foi locaute – paralisação dos donos de transportadoras .
O locaute permite que uma empresa feche até mesmo para pressionar os seus trabalhadores a aceitar alguma condição de trabalho, e ainda pressionar o governo a atender as reivindicações dos empresários.
Como é hoje: Totalmente proibido
Segundo o advogado da CUT Nacional, o absurdo da proposta é equiparar a greve ao locaute. A greve é um direito fundamental assegurado na Constituição, exatamente pela diferença de poder entre trabalhadores e empresários.
“ A greve é um instrumento para que os trabalhadores possam ter melhores condições de negociar seus direitos. O locaute não é direito, é uma medida de coação, de instrumentos das empresas”, diz Eymard.
O advogado ressalta ainda que muitas empresas transacionais são mais poderosas que muitos países, como o Facebook, por exemplo.
“Não tem paralelo em nenhum lugar do mundo o locaute ser reconhecido como direito equiparado à greve”, afirma Eymard.
6 – Fiscalização trabalhista
Mais uma vez o governo de Jair Bolsonaro (PL) tenta impedir a fiscalização do trabalho. Nessa semana, durante evento, o presidente da República chegou a criticar as ações de fiscalização do Ministério Público do Trabalho (MPT), ao chamar de exagero as condições em que o órgão considera trabalho escravo.
Como é hoje: A Justiça do Trabalho pode além de decidir se a greve é legal ou não, mediar negociações entre patrões e e empregados durante uma greve e ainda decidir percentuais de reajuste e benefícios a serem concedidos
Para agradar o empresariado, a proposta do GAET é de que a Justiça do Trabalho apenas tenha poder para considerar uma greve legal, ou ilegal, mas a proíbe de conceder qualquer benefício ou reajuste ao trabalhador.
7 – Teletrabalho por demanda
O teletrabalho tem limite de jornada, de acordo com a Constituição. A proposta desvincula o conceito de jornada, e inclui o trabalho por demanda. Ou seja, o trabalhador terá de cumprir as tarefas designadas por sua chefia, independentemente de ultrapassar as oito horas diárias e não terá direito a hora extra.
Fonte: CUT