Escândalos e manipulações de informações unem os dois executivos
Já se passaram cerca de dez dias da demissão de Cláudio da Costa, ex-gerente executivo de Recursos Humanos da Petrobras, por ter utilizado informações privilegiadas para lucrar com a venda de ações da empresa no mercado financeiro. E desde o dia 29 de março, quando Costa foi desligado, a Federação Única dos Petroleiros e seus sindicatos continuam à espera de esclarecimentos sobre o caso e o respeito às regras de governança corporativa da Petrobras. Como estamos dizendo desde então, tudo indica que vale a máxima “para peão, marreta na cabeça; para a alta administração, tapinha de leve”
Apesar do crime de insider trading cometido pelo ex-gerente – comprovado internamente e sob investigação do Tribunal de Contas da União e da Comissão de Valores Mobiliários -, sua demissão não foi sequer formalizada como por Justa Causa, o que reforça as suspeitas das entidades sindicais, que vêm denunciando desde o ano passado irregularidades e interesses envolvendo Claudio Costa na criação da Associação Petrobras de Saúde.
A APS é uma associação privada que passou a gerir a Assistência Multidisciplinar de Saúde, o quarto maior plano de autogestão do país, com mais de 240 mil beneficiários. Uma carteira bilionária, avaliada em 2,7 bilhões de reais anuais e que vem sendo desejada há tempos por agentes privados do mercado de seguro de saúde.
Mas Costa não faria nada disso se não fosse braço direito do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco – também já demitido e em processo de saída da empresa. Não à toa, tanto um quanto outro estão sendo investigados pelo Ministério Público Federal e pelo TCU na mudança da AMS, a partir de denúncias e representações, fartamente documentadas, feitas pela FUP. Um Agravo de Instrumento visa a barrar a transferência feita a toque de caixa da carteira da AMS.
Além do aumento substancial no valor pago de participação dos beneficiários, o ex-gerente de RH interferiu diretamente na gestão do plano, selecionou uma consultoria para entregar a valiosa carteira da AMS à associação privada por ele contratada. Para manter o processo sob seu controle, Costa destituiu gerentes do setor, que foram substituídos por assessor da presidência da Petrobras de sua confiança.
Demitido em 29 de março por Castello Branco, Costa chegou na companhia trazido pelo próprio Castello Branco no início de 2019, anunciando o seu compromisso de enxugar os quadros da Petrobras. “Agora é Bolsonaro”, dizia ele nos corredores da sede da Petrobras, com seu bordão para provocar e intimidar os empregados.
“Temos, sim, que reduzir o quadro de efetivo da companhia. Vamos fazer desinvestimento nas refinarias e reduzir os custos administrativos, inclusive no Rio de Janeiro. Muitos de vocês não permanecerão na companhia. Dá pra absorver todo mundo? Não, não dá. Algumas pessoas não ficarão na companhia”, anunciou em fevereiro de 2019, em reunião a portas fechadas com os trabalhadores da sede administrativa de São Paulo, que foi fechada em sua gestão. A atitude revoltou a categoria, que reagiu nacionalmente, com atos e mobilizações convocadas pela FUP em resposta às provocações e desmandos de Cláudio da Costa.
Na primeira campanha reivindicatória sob sua gestão, em agosto de 2019, o ex-gerente de RH tentou minar o Acordo Coletivo de Trabalho, retirando dezenas de cláusulas e direitos históricos da categoria. Até em assembleia sindical ele tentou interferir, convocando os trabalhadores e as gerências para votarem pela aprovação do ACT rebaixado. Ele mesmo tentou votar na assembleia do sindicato, em um vexame que entrou para a história da categoria.
As manobras do ex gerente de RH vão além. Passam também pela aprovação, no âmbito interno da empresa, de proposta de mudança no estatuto da Petrobras para permitir o pagamento de remuneração variável para a diretoria da estatal mesmo a empresa não tendo lucro. A Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais barrou essa proposta em assembleia de acionistas.
Como um prêmio pelos serviços prestados por Cláudio da Costa, Castello Branco apresentou uma proposta de mudança na organização interna da Petrobras que garantiu ao gerente executivo de RH status de diretor.
A relação muito próxima entre os dois se faz presente, também, no episódio que levou à demissão de Costa com a garantia de pagamento de todas as verbas, inclusive bônus, contrariando o código de ética da empresa, que prevê demissão por justa causa em caso de crime de insider trading.
No mesmo dia da demissão de Cláudio da Costa, a FUP recebeu denúncias sobre operações suspeitas na bolsa de valores envolvendo duas assessoras próximas de Castello Branco, tia e sobrinha, cujos familiares teriam feito negociações com ações. Ou seja, pela denúncia, não foi apenas o ex-gerente que buscou ganhar dinheiro com informações privilegiadas. O caso também está sendo investigado.
Além de todas essas práticas ilícitas, Castello Branco marca sua administração pelo descaso com a vida dos trabalhadores, vítimas da Covid-19. Já morreram mais de 80 empregados da Petrobras, entre próprios e terceirizados. E, desde o início da pandemia, mais de 6 mil trabalhadores foram contaminados nas unidades da Petrobrás.
Por tudo isso, Cláudio da Costa e Roberto Castello Branco não vão deixar saudades na Petrobras. Mas, para a FUP e seus sindicatos, não basta a saída de ambos. É preciso que os dois sejam investigados e punidos por seus erros.
Em resposta a este artigo, o ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco encaminhou a CartaCapital no dia 12 de abril a seguinte manifestação:
Prezados Senhores,
No dia 08.04.2021 V.Sas. publicaram, através de seu site de notícias, na Coluna denominada Opinião, uma manifestação do Sr. Deyvid Bacellar, em que referido cidadão vaticina a existência de relações não republicanas entre mim, Roberto da Cunha Castello Branco, e o Sr. Cláudio da Costa, bem como afirmar que eu teria atuado de forma a garantir vantagens indevidas no desligamento do Sr. Cláudio da Costa da Petrobras, inclusive com pagamento de todas as verbas trabalhistas supostamente indevidas, contrariado o código de ética da empresa, que preveria demissão por justa causa em caso de crime de insider trading.
Nessa manifestação, são feitas diversas afirmações falsas, que vilipendiam gravemente a minha honra e que não trazem a verdade.
A título de exemplo, com relação à transferência da operação do plano de saúde AMS para a Associação Petrobras de Saúde (APS), deixa de ser mencionado o fato de que essa transferência se deu seguindo todas as normas de governança da companhia e após amplo estudo, realizado pela Petrobras, ao longo de dois anos, tendo como base as melhores e mais eficientes práticas do mercado corporativo de saúde suplementar.
Afirma ainda que eu teria utilizado minha demissão em proveito próprio e, utilizando duas assessoras para negociações com ações, teria me valido da situação. Ou seja, insinua o uso de “assessoras como laranjas”, o que significa que eu teria dado causa à prática de atos jurídicos simulados (art. 167, § 1º, inc. I, do Código Civil) e imputa-me falsamente o crime de insider trading, previsto no art. 27-D da lei 6.385/76.
Por fim, quanto ao desligamento do Sr. Cláudio da Costa, não se menciona que o caso foi amplamente explicado e justificado, tendo sido reconhecida uma atuação pontual em desacordo com a Política de Divulgação de Ato ou Fato Relevante e de Negociação de Valores Mobiliários, conforme divulgado pela Petrobras, por meio de Fato Relevante (doc. anexos) nunca mencionados em nenhuma oportunidade pelo autor da Coluna ou pelo jornalismo da CartaCapital.
Como dito, ao fazer afirmações absolutamente falsas, referido cidadão – com o espaço concedido e, portanto, responsabilidade solidária deste rotativo – ofende gravemente minha honra. Associa-me falsamente ao crime de insider trading, previsto no art. 27-D da lei 6.385/7, descumprimento de regras de governança da Companhia que dirijo e de cegueira deliberada no exame de atuação de alto executivo, o que é especialmente danoso para a minha imagem e reputação, uma vez que tenho dedicado minha vida profissional a ocupar cargos de direção em algumas das maiores empresas brasileiras, muitas das quais com capital aberto e ações negociadas em bolsa.
Trata-se, indubitavelmente, de manifestação difamatória e caluniosa, que emitida de modo ideologicamente enviesada, deixa de trazer aos leitores, consumidores do produto jornalístico, a versão oficial do “acusado”. Tivesse o site da Carta Capital e sua equipe de jornalismo se dado ao trabalho de checar minimamente os fatos antes de franquear espaço ao Sr. Deyvid Bacelar, em cumprimento a preceito palmar e imperativo do jornalismo responsável, não se teria permitido fossem publicadas informações falsas ou incompletas aos leitores do site e tampouco maculado minha honra. Em medida basilar de verificação de fatos, eu teria sido procurado preventivamente para comentar as acusações ou, ainda, teriam sido publicadas as versões oficiais da Petrobras, que explicam, de modo suficiente, o quanto ocorrido.
Por Deyvid Bacelar
Fonte: CartaCapital